O Ser criatividade em Winnicott

O “Ser” criatividade em Winnicott

Em primeira instância, falar sobre criatividade remete quase sempre a um sentido inventivo artístico de produzir algo. Antecipo que nesse texto, a intensão não é discorrer sobre esse conceito de criatividade, e sim, trazer fragmentos do surgimento dessa capacidade no início da vida interligado ao viver criativo, pautado em uma perspectiva da teoria do amadurecimento em Winnicott. Para isso, permita-me apresentar alguns conceitos que surgirão no decorrer do texto, para o bom entendimento dessa construção textual. Winnicott foi um psicanalista que desenvolveu a teoria do amadurecimento, baseados em seus estudos com mães e bebês, no decorrer de sua vida como pediatra e estudioso da psicanálise. Para ele o viver está entrelaçado com o criativo, e a experiência de criar um mundo para si, serve de base para o Eu criativo. A partir da tendência inato ao amadurecimento conceito utilizado por Winnicott como base de que todo indivíduo humano tem dentro de si essa capacidade, em parceria com a criatividade originária, conforme abaixo; Todo ser humano é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento. Esta concepção baseia-se numa outra, a de que o homem é um ser essencialmente temporal.... cada ser humano é dotado de uma tendência ao amadurecimento, ou seja, de uma tendência a integração num todo unitário. (D. W. WINNICOTT. Natureza Humana, (1988/1990, p. 29). Dessa maneira a psique tem seu inicio de forma criativa onde o bebê experimenta uma ilusão de onipotência1 , concebe objetos imaginativamente quando entra em contato com a realidade externa, nesse momento ainda é sutil, não faz parte da realidade do bebê, é um processo gradativo que não deve exceder a capacidade do dele de suportar, devido seu momento imaturo egóico. Se faz necessário nesse período poder viver essa experiência alheio desse contato direto com a realidade. Pois essa experiência inicia a constituição do Eu sou, por meio das experiências criativas interativas com o ambiente facilitador, se bem sucedidas, o indivíduo pode ter prazer e sentido no que faz posteriormente. “É através da percepção criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida.” (D. W. Winnicott. Brincar e a realidade, (1975 pg. 95) 1 A palavra “onipotência”, usada para este estágio primitivo, descreve um traço essencial da dependência e significa que o bebê não sabe nada acerca da existência de si mesmo ou do mundo externo. (A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Dias 2014, pg. 165). A capacidade de sentir-se vivo não é dada ao nascer, é uma conquista que dependerá de vários fatores ambientais em conjunto com as bases rudimentares do bebê. Inclui um manejo cuidadoso, previsível, confiável e sustentador do ambiente. A riqueza do mundo interno, dependerá da boa sustentação ambiental em fases iniciais da vida, para que o pequeno ser possa criar um mundo para si. Nesse período tudo que o bebê tem de base é o potencial intato a integração 2 e criatividade originário3. Mas o bebê não pode criar seu mundo no vazio é preciso que aja uma boa provisão ambiental que o proteja da realidade tempo suficiente para contatá-la aos poucos. Criar um mundo a partir de si, sem ainda ser existente, concerne em uma boa cooperatividade entre mãe e bebê conforme Winnicott; tem suas bases estabelecidas no início da vida, advindas de aspectos potenciais herdados pelo “ser” em ascensão, e da sua natureza humana. (D. W. Winnicott Natureza humana, 1990, pg. 130) O bebê experimenta no inicio da vida um estado não integrado um não existir, que dá seus primeiros passos ao tocar e ser tocado. Quando o ser em constituição esbara em algo, a isso atribui um sentido inteiramente seu, possuído em si a tendência inata de elaborar á maneira humana, sendo deus de seu próprio mundo. Significa descobrir seu corpo, criar suas partes, suas funções, atribuindo genuinamente um sentido imaginativo ao que diz respeito ao soma, e sob a manifestação de seus gestos espontâneos cria o mundo interno. A Possibilidade de construir a realidade externa tem base no indivíduo, quando ele pode criar um mundo subjetivo a sua maneira. Se tudo correr bem no desenvolvimento primário de um bebê e lhe for conferido viver uma experiência satisfatória desde o inicio, ele poderá exercer sua criatividade originário na vida. Imaginem um bebê que nunca tivesse sido amamentado. A fome surge e o bebê está pronto para imaginar algo; a partir da necessidade, ele está pronto para criar uma fonte de satisfação, mas não existe experiência previa para mostrar ao bebê o que há para esperar. Se nesse momento, a mãe coloca o seio no lugar onde o bebê está pronto para esperar algo, e se lhe for concedido tempo bastante para que ele sinta o que o cerca, com a boca e mãos.... cria justamente o que existe para ser encontrado. Finalmente, o bebê forma a ilusão de que esse seio real é exatamente a coisa que foi criada pela necessidade, pela voracidade e pelos impulsos amorosos primitivos. Toda essa experiência fica registrada 2 A natureza humana, que é quase tudo que possuímos de inicio, consiste essencialmente numa tendência inata á integração numa unidade, ao longo de um processo de amadurecimento. Cada ser humano é dotado de uma tendência ao amadurecimento e integra-se num todo unitário. Esta é sua mais importante herança. (A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Dias 2014, pg. 92). 3 Com a existência de um potencial criativo, podemos esperar encontrá-lo em conjunto com as projeções de detalhes introjetados em todos os esforços produtivos, e devemos reconhecer a criatividade potencial não tanto pela originalidade de sua produção, mas pela sensação individual de realidade da experiência e do objeto. O mundo é criado de novo por cada ser humano, que começa seu trabalho no mínimo tão cedo quanto o momento de seu nascimento. (D. W. Winnicott. Natureza humana, 1990, pg. 130) em algum lugar do soma, e após algum tempo o bebê poderá estar criando algo semelhante via outros contatos satisfatórios. (Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott, (2014 pg. 164) Para ser uma criação pessoal precisa vir ao encontro da necessidade do bebê, como no exemplo anterior a fome encontra o seio, e cria o seio. Pela repetição dessas experiências bem sucedidas, o sentimento do que foi querido, foi criado e foi encontrado lá, se fortalece. A partir daí se desenvolve a crença de que o mundo pode conter o que é querido e necessitado, resultante na esperança do bebê, de que existe uma relação viva entre a realidade interior e a exterior, entre a capacidade intata e primária e o mundo em geral, que é compartilhado por todos. A conquista dessa capacidade imprime um colorido a vida real posterior, uma base importante para manutenção criativa. Sob a perspectiva de Winnicott a definição de criatividade carrega consigo o sentido pessoal de viver a vida, diz sobre aquela centelha, faz parte da experiência de sentir-se vivo. Diz respeito a um fenômeno descrito pelo autor chamado de realização. “A capacidade de conceber objetos via elaboração imaginativa é o caminho para o sentimento de sentir-se real.” Ao longo da vida e amadurecimento o indivíduo continuará a desempenhar a criatividade de formas cada vez mais complexas “Mas é sobre a criatividade originária que todo viver criativo pode ser construído” (A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Dias 2014, pg. 163) Com a consolidação da criatividade originaria o bebê continua seu caminho nos trilhos do desenvolvimento e aos poucos encontra a realidade externas em pequenas doses. Sabemos que o mundo estava lá antes do bebê, mas o bebê não sabe disso, e no inicio tem a ilusão de que o que ele encontra foi por ele criado.... Gradualmente surge uma compressão intelectual do fato que a existência do mundo é anterior á do individuo, mas o sentimento de que o mundo foi criado pessoalmente não desaparece. (D. W. Winnicott. Natureza humana. (1975 Pg. 131). A relação construída com o mundo objetivo vem na sequência, mas a base de sentido para essa elaboração, vem do mundo já criado pelo bebê. Quando esse processo subjetivo de criar um mundo antes do contato com o mundo externo é interrompido, ou não experienciado, o indivíduo tem a sensação de viver submetido a realidade. Em contraste, existe um relacionamento de submissão com a realidade externa, onde o mundo em todos seus pormenores é reconhecido apenas como algo a que ajustar-se ou a exigir adaptação. A submissão traz consigo um sentido de inutilidade e está associado a ideia de que nada importa e de que não vale a pena viver a vida. (D. W. WINNICOTT. Brinca e a realidade, (1975, pg. 95) O que se perde, é o toque da vida ser doces e com aquela cor que só o individuo pode dar de pessoal, a possibilidade de encontrar prazer no ser e no fazer, que dosa de sentido a vida. Essa experiência serve de base para vivências mais sofisticadas no decorrer da vida, como ser capaz de fazer acordo concessões, ou seja, atendendo a demanda da realidade sem perder-se de si mesmo, e poder fazer escolher para si em primeira pessoa. Na continuidade de ser e continuar sendo, o bebê integra sua personalidade via influência mútua com a mãe e ambiente. Entre eles existe um espaço potencial, e na medida que o bebê percebe os objetos e os concebe na interação com a mãe, em paralelo, nota que ambos coexistem fora dele. Esse estágio marca a entrada da realidade externa e as primeiras impressões do Eu, de ser separado da mãe. Do ponto de vista, onde estas experiências não caminharam bem, o indivíduo ficara em uma busca dessa experiência criativa no decorrer da vida. Na continuidade Winnicott diz; que na patologia e ausência do Eu o indivíduo fica nessa busca de encontrar-se nos produtos de suas experiências, como por exemplo; uma pessoa que está nessa busca do Eu pode produzir algo valioso em termos de arte, mas um artista bem sucedido e aclamado pode ter fracassado na tentativa de encontrar o Eu que estava procurando. Por mais valiosos que sejam essas criações e belas, se forem uma tentativa de busca nesse sentido, já existe um certo fracasso para esse artista no campo do viver criativo. “A criação acabada nunca remedia a falta subjacente de sentimentos do eu. (D. W. Winnicott. Brincar e a realidade, (1975 pg. 81) Em seu livro brincar e a realidade Winnicott cita; “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e somente sendo criativo que o individuo descobre o Eu” (Brincar e a realidade pg. 80). No manejo de auxiliar esses indivíduos na análise, torna-se necessário elementos que tonem possível entrarem em um relaxamento. Em termos de associação livre, isso significa que se deve permitir ao paciente no divã, ou ao paciente infantil entre os brinquedos no chão, que comuniquem uma sucessão de ideias, pensamentos, impulsos, sensações sem conexão aparente. “Equivale dizer; é ali onde há intenção, ou onde há ansiedade ou onde há a falta de confiança”. A necessidade de defesa que o analista poderá reconhecer. (D. W. Winnicott. Brincar e a realidade, (1975 pg. 81) O manejo analítico cuidadoso, vai ao encontro da necessidade do paciente, as vezes sem a interpretação quando não necessária, permitindo a manifestação da capacidade que o paciente tem de brincar, isto é, de ser criativo no trabalho analítico. A criatividade do paciente pode ser facilmente frustrada por um terapeuta que saiba de mais. Naturalmente, não importa, na realidade, quanto o terapeuta saiba, desde que possa ocultar esse conhecimento para o bom prognóstico de seu paciente.

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