Um olhar sobre a psicose

A PSICANÁLISE DE D. W. WINNICOTT: um olhar sobre a psicose

Autor: Shirlene Trapp Stapnicka

Buscarei fazer uma breve exposição sobre a psicanálise de Donald Woods Winnicott, para isso, inicio com uma referência ao nascimento da psicanálise.

Desde que foi concebida por Freud, a psicanálise continua no percurso científico de compreender as ações do inconsciente em nossa vida. Freud idealizou a psicanálise como a ciência de exploração do inconsciente, com a ajuda da associação livre e a interpretação como o centro do trabalho do psicanalista. Segundo referências na área da psicanálise o ato de interpretar é o procedimento através do qual se busca compreender um texto, uma figuração, um sonho ou mesmo um comportamento humano, cujo significado não é imediatamente claro ou compreensível, mas que, abriga um sentido oculto. O que se espera do tratamento psicanalítico é que a interpretação feita pelo analista de sentido latente aos conflitos, no momento em que estes são revividos na relação com o analista, traga a consciência os conflitos e defesas inconscientes. Segundo Laplanche e Pontalis a interpretação caracteriza a própria tarefa analítica.

A psicanálise como método investigativo e de tratamento criado por Freud, sofreu várias alterações feitas por ele mesmo e posteriormente por outros estudiosos que nos mostram uma ideia de “mudanças necessárias” ao longo dos anos, ou outras visões acerca do método, principalmente com relações as psicoses. Segundo Roudinesco, a neurose é a parte integrante do vocabulário da psicanálise e Freud dedicava toda sua atenção a ela por considerá-la curável, já a psicose ele considerava quase sempre incurável, chegando a declarar que não tinha uma teoria satisfatória sobre esse assunto.

Na teoria da clínica winnicottiana interpretar não é o que define a tarefa analítica, pois o benefício de uma interpretação no sentido tradicional de interpretar o material inconsciente reprimido, depende de um nível de amadurecimento do indivíduo que não pode ser presumido como adquirido sem que se tenha um levantamento por parte do psicanalista para conseguir compreender qual o nível de amadurecimento deste paciente, isso demanda um tempo de conhecimento sobre esse indivíduo e sua história de vida.

Donald Woods Winnicott foi pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista inglês, pensava como Freud, via a psicanálise como ciência que se desenvolve. No início de seus estudos sobre casos de neurose, psicose, distúrbios psicossomáticos e delinquência, percebia que muitas dificuldades emocionais de seus pacientes mostravam ter iniciado nos primeiros dias de vida e não conseguiam ser explicadas pela teoria do complexo de édipo. Como pediatra Winnicott teve oportunidade de observar muitos casos de mães e seus bebês. As conclusões que chegou a partir dessas observações bem como de sua própria análise pessoal que o remeteu a sua própria infância, o ajudaram a enxergar condições infantis primitivas. Nesse momento Winnicott evidencia sua lealdade a Freud e Melanie Klein mas confessou que toda e qualquer lealdade acaba voltando para a própria pessoa. Ao definir a teoria do amadurecimento pessoal, Winnicott destaca a inclusão da “a história total do relacionamento individual da criança até o seu meio ambiente especifico”. Para ele essa história além de compreender o crescimento emocional do bebê vai compreender também o crescimento emocional da pessoa que cuida diretamente desse bebê, a pessoa que será a facilitadora para o crescimento (a mãe ou substituto) como um “ambiente suficientemente bom”. Essa teoria inclui a história do relacionamento do bebê com o ambiente desde do início, compreendendo as interferências que dificultam ou impedem a suficiência do ambiente e consequentemente o crescimento emocional do bebê. Sob essa perspectiva, Winnicott desloca o complexo de édipo do centro ou do ponto de partida para a constituição de um si mesmo e coloca em seu lugar a relação com a mãe. O colo da mãe será o primeiro ambiente externo com o qual o bebê recém-nascido terá contato, funcionando como um ego auxiliar. E para Winnicott apenas a condição de poder estar “assentado no colo da mãe” viabilizará relações objetais ao indivíduo para continuidade do seu desenvolvimento.

Para Winnicott o amor se traduz em cuidados físicos, e a base para uma vida em sua plenitude é o colo da mãe, quando o bebê alcança a integração do Eu. Posteriormente a família, tem o seu lugar de destaque quando ele entende que ocorre a ação do complexo de Édipo. Duas características são essenciais para se ter um ambiente facilitador, um é a adaptabilidade, o ambiente num processo dinâmico de se adaptar, desadaptar e se readaptar as necessidades mutáveis da criança, e a outra característica é a sua qualidade humana, algo que só a empatia e a dedicação por parte do ambiente podem trazer, através de um cuidado incondicional nos primeiros meses de vida do bebê. Para Winnicott esse método possibilita o estudo das psicoses através de uma nova visão, pois têm seu ponto de origem num período tão primitivo da vida que essas formações psíquicas ainda não se constituíram. É preciso que outras aquisições fundamentais - no sentido literal de serem os alicerces da personalidade - sejam feitas nos estágios iniciais, para que algo como um inconsciente reprimido, conflitos de caráter instintual e a capacidade de desejar e de tolerar frustrações possam fazer parte da realidade psíquica do indivíduo. As matrizes disciplinares da psicanalise são substituídas. Ele deixa de lado a vida pulsional e traz a importância do ambiente e das relações com esse ambiente para a construção do eu do indivíduo. As primeiras relações e a interação com o ambiente irão permitir que o indivíduo tenha a possibilidade de “existir no mundo” emocionalmente falando. Nós nascemos com um impulso para a vida, mas precisamos construir esse existir a partir das experiências com o ambiente que nos cerca. Essa tendência ao amadurecimento nos empurra para o mundo, nos leva a compartilhar a vida.

Quando o ambiente não consegue ser “suficientemente bom” o indivíduo não consegue se constituir como ser, não se sente real e não se sente vivo. Para Winnicott saúde é maturidade emocional, a doença é a parada do amadurecimento, os distúrbios são relacionais e não mentais.

Na teoria winnicottiana a teria do desenvolvimento sexual de Freud é substituída pela teoria do amadurecimento pessoal. A cama da mãe na teoria de Freud é substituída pelo colo da mãe, que irá sustentar o amadurecimento do indivíduo e até possibilitar que ele seja capaz de “visitar a cama da mãe”. Winnicott descobriu que o relacionamento com a mãe ou quem faz esse papel é o que auxilia e impulsiona o bebê que é movido por uma “urgência de viver”, ele é dotado da capacidade de amadurecer, mas isso só será possível com a ajuda do ambiente.

Na neurose existe uma parte do indivíduo adoecida, na psicose é todo o seu ser que padece. A psicose é um distúrbio de relacionamento emocional no início da vida do indivíduo que não constitui a relação com o mundo, sendo assim, o indivíduo se defende com vários graus de severidade. A ideia da clínica winnicottiana para pacientes psicóticos é que o analista se adapte aquilo que o paciente precisa, assim como a mãe suficientemente boa procura se adaptar ao seu bebê, funcionando também como um ego auxiliar. Pois ele entendeu que a luta de um ego frágil como o de um psicótico é como uma luta para alcançar a vida, muito antes de qualquer possibilidade de recalcamento.

Segundo Elsa Oliveira Dias em seu livro Interpretação e manejo na clínica winnicottiana, no que se refere a tarefa analítica, a confiabilidade da análise, o manejo das questões ambientais no setting e as questões ambientais gerais do paciente devem ser levadas em conta. Mais especificamente nos casos de psicose que remetem a problemática a momentos muito primitivos do amadurecimento, a necessidade de cuidados ambientais confiáveis que Winnicott chama de manejo, que nada mais é do que o termo utilizado para se referir ao modo como a mãe ou analista-ambiente estendem o cuidado ao ambiente, preparando-o para que seja um lugar confiável para o bebê ou para o paciente. Assim como a pontualidade e a qualidade da presença estão incluídos nesse processo. A mesma autora em sua tese de doutorado que se transformou no livro A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott nos diz que na busca para conquistar um si mesmo integrado, o que está em pauta não são funções isoladas sejam elas biológicas, mentais ou sexuais, mas o próprio viver humano, o sentimento de ser real, de existir num mundo real como um si mesmo. Por esses motivos suas dificuldades e problemas são tão aflitivos, pois “não fazem parte da vida, mas sim da luta para alcançar a vida” porque somente assim conseguimos alcançar a vida a partir de experiências próprias de nós mesmos. Para Winnicott, ser analista é cuidar do existir humano!

“...precisamos chegar a uma teoria do amadurecimento normal para podermos ser capazes de compreender as doenças e as várias imaturidades, uma vez que não nos damos por satisfeitos a menos que possamos preveni-las e cura-las. Não aceitamos a esquizofrenia infantil mais do que aceitamos a poliomielite ou a condição da criança espástica. Tentamos prevenir e esperar poder conduzir a cura onde quer que haja anormalidade que signifique sofrimento para alguém.”

D. W. Winnicott

Referências

Conceição Aparecida Serralha (2016) – O ambiente facilitador winnicottiano – Editora CRV

Donald W. Winnicott (1963) - Texto consultas terapêuticas e a psicanalise de D. W. Winnicott

Elisabeth Roudinesco e Michel Plon (1998) – Dicionário de psicanálise - Jorge Zahar Editor

Elsa Oliveira Dias (2014) – A teoria do amadurecimento de D.W. Winnicott – DWW Editora

Elsa Oliveira Dias (2014) - Interpretação e manejo na clínica winnicottiana – DWW Editora

Laplanche e Pontalis (1992) – Vocabulário da psicanálise - Martins Fontes

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